Paris ou o quê?

Paris ou o quê?
Washington Square Park

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Mas você é louco de passar tanto tempo em Veneza!!!

           Quando disse a um amigo que iria passar apenas uma semana em Veneza, fui bombardeado com a seguinte exortação: Tá loco meu! O que você vai fazer lá todo esse tempo? Veneza não tem nada pra fazer!
            Bem, em primeiro lugar, acredito que quando viajamos, nossa idéia, ou imagem que fazemos de um lugar, é satisfeita ou frustrada de acordo com as expectativas que temos. Eu tinha muitas expectativas, e se não tivesse nenhuma, só o prazer de hospedar-me em um hotel no Gran Canal, ficar sentado no bar do lobby, olhando os barcos passarem pela porta... ah, isso já valia muito. Eu poderia ficar uma eternidade fazendo isso, todos os dias, tomando um Belline e comendo nozes.      Veneza é uma cidade que não existe, ou melhor, existe apenas para quem lá vive ou visita. Pode-se ter uma idéia, apenas vaga, da cidade, quem ouve falar, quem a vê na televisão ou em fotos. É um lugar que faz parte de um imaginário abstrato, até o momento em que se está lá.
Inquestionavelmente, o melhor modo para se chegar à cidade de Marco Polo é por trem. O abstrato se torna realidade quando, ao sair pela porta principal da estação Santa Lucia, nos deparamos com as plataformas de embarque dos vaporetos no Gran Canal. O vaporeto é o que, em uma cidade que existe, é o equivalente ao ônibus. Os canais são as ruas e avenidas. As calles – como eles chamam as ruelas – e as fondamentas – à beira mar, são apenas para nos locomovermos a pé.
Mas, antes de qualquer coisa, Veneza é arte, literatura, arquitetura e cozinha. Foi lá, no teatro La Fenice, que Verdi estreou sua ópera mais popular, La Traviata; também onde Antonio e Portia se apaixonam em O Mercador de Veneza, e  o cenário em que Otelo mata Desdêmona, ambas em peças de Shakespeare. E é lá que os estilos veneziano-gótico e veneziano-bizantino se encontram nos requintados palazzo à beira do Gran Canal.
A arte veneziana também possui um estilo marcante que pode ser apreciado na Gallerie Dell’Accademia – com destaque às obras de Paolo Veronese; e no museu de arte moderna Ca’ Pesaro, lugares que visitei nessa curta estada. Tão importante quanto a todos os museus de Veneza é também a coleção de arte moderna de Peggy Guggenheim, cujo pai morreu no mais que conhecido naufrágio do Titanic.
A comida local é um capítulo a parte. Os Cicheti, pratos de lanchinhos, frios, frutos do mar etc, servidos em pequenas quantidades e, quando acompanhados de uma taça de vinho, dão ao viajante uma real experiência degustativa. Vale a pena destacar dois restaurantes em que estive e dos quais sempre vou querer voltar:  Al Nono Risorto, em Santa Croce, Sotoportego de Siora Bettina, 2338, sempre cheio e com preços módicos –  para jantar, deve-se reservar mesa; o outro, no bairro de Dorsoduro, La Piscina, restaurante de um hotel super charmoso chamado La calcina, com uma vista toda sua do Canale della Giudecca. Um ótimo almoço pagável, após apreciar as pinturas venezianas na Gallerie Dell’Accademia.
Há que se reservar tempo para visitar as outras ilhas, aconselho Giudecca, onde o Hilton Hotel se instalou em uma antiga fábrica de tecidos; Murano, a ilha onde se produz os famosos cristais e com um museu muito simpático e interessante, o Museo Del Vetro; e o Lido, com sua extensa praia, que durante o inverno é totalmente vazia. O clássico Hotel Des Bains, cenário do filme Morte em Veneza, ainda está lá, mas fechado há tempos para restauro.
Não passei mil dias em Veneza, mas com certeza sete dias foi o suficiente para amá-la a ponto de querer voltar.
Também não falarei dos pontos turísticos – todos já sabem quais são, nem dos passeios de gôndolas, sempre cheias de turistas querendo ter uma experiência veneziana que já faz parte do passado, apesar de que não há como não se emocionar quando, por acaso, você estiver passando em uma das milhares de pontes e ouvir um gondoleiro cantar Volare enquanto rema sua gôndola para os turistas e suas câmeras.
Mas uma coisa é certa. Não vá a Veneza sozinho. 

Em tempo: recomendo o Hotel Palazzo Giovanelli. Preço decente em acomodações de luxo.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Romã e Raki

É da janela do taxi que corre pela Kennedy Cad (Sahil Yolu) que me dou conta de que estou em um lugar especial. Através do vidro do carro que aos poucos entra no coração da cidade, vislumbro a paisagem de Istambul fortemente demarcada pelos minaretes espalhados por toda antiga Constantinopla. Além de serem parte integrantes da beleza de uma mesquita, essas torres guardam os alto-falantes que chamam os fiéis à oração.
Do outro lado dessa extensa avenida brilha sob o sol o Mar de Mármara, que junto com o estreito de Bósforo e o Golden Horn, ou chifre dourado, testemunhou a colonização bizantina, o império cristão de Constantino e a tomada Otomana. Mas a única cidade do mundo que é dividida por dois continentes – Europa e Ásia – não é apenas história. Istambul é, além de tudo, sabores, sorrisos, cores, odores, música e, principalmente, joie de vivre.
À chegada do hotel, fui recebido com um clássico chá turco que é oferecido às pessoas quando nascem os bebês. Minha presença naquele lugar foi celebrada.  E continuava a ser, pois toda vez que me dirigia a alguém, os sorrisos de boas-vindas se abriam. Os turcos só faltam estender um tapete vermelho para o turista, sempre com um sorriso de orelha a orelha, orgulhosos por receberem gente de tão longe...tudo bem, os bons tratos deixam implícito o quanto eles querem que você compre seus produtos. 

Contente por estar na cidade das sete colinas, decidi que o primeiro passeio por Istambul seria pelo impressionante bairro histórico de Sultanahmet, o coração do império Otomano. Andar por suas ruas torna inevitável uma parada para saborear um copo de suco de romã, feito na hora, em um dos vários pontos montados nas calçadas. Continuo minha caminhada até a Mesquita Azul, cujo lado oposto está também a não menos famosa Aya Sofia, antiga Basílica da Santa Sabedoria. Estar entre esses dois monumentos me fez entender exatamente o que é estar no coração de uma cidade multicultural.
Não menos importante que explorar Sultanahmet e experimentar a imperdível experiência de barganhar preços no Grand Bazaar e no Spice Bazaar é fazer um tour de barco pelo Bósforo. Um dos itinerários me leva até o lado asiático, de onde posso contemplar o mar Negro das ruínas de um antigo castelo otomano. Durante o passeio de 90 minutos, é possível verificar nos dois lados do estreito os palácios de madeira. Construídos no século XIX, a maioria deles está restaurado e em perfeitas condições, servindo ainda é moradia de famílias endinheiradas. Do lado europeu do Bósforo também estão os palácios Dolmabahçe e o Çiragan Kempinski, construídos como residência dos sultãos da época em meados do século XIX. O primeiro está aberto à visitação, enquanto que o segundo é um hotel super luxuoso.
No momento da fome, há os milhares de restaurantes onde pude experimentar o Raki, um aguardente feito de anis; saborear os Mezzes – entradinhas, Kebaps, Köftes – churrascos de carne de boi, frango ou carneiro, assim como os baklavas e os turkish delights de sobremesa até lamber os dedos. É fácil terminar sua refeição embriagado e com a sensação de que comeu demais. Nozes, pistaches, damascos, passas, iogurtes, especiarias, romã. Certamente Istambul deixou saudades; saudade no olhar e saudade no paladar.